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segunda-feira, 2 de março de 2015

MG: Auditores-Fiscais responsabilizam Vale por trabalho escravo


Banheiro sem condições de uso
Vítimas levavam o minério de ferro pela estrada particular da Vale que liga duas minas em Itabirito. Eles não tinham acesso a banheiro ou água potável e cumpriam jornada exaustiva. É a primeira vez que Vale é vinculada diretamente ao crime 
Auditores-Fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais – SRTE/MG responsabilizaram a Vale por trabalho análogo ao escravo em ação que encontrou 309 pessoas laborando em situação degradante na Mina do Pico, em Itabirito. 
No local, motoristas eram submetidos a jornadas exaustivas e a condições degradantes e foram vítimas de fraude, promessas enganosas e ameaças. Eles também não podiam usar o banheiro e tinham que trazer de casa a água potável para consumo. A inspeção, que teve início no dia 2 de fevereiro, autuou a empresa por 32 infrações trabalhistas. 
As vítimas levavam o minério de ferro pela estrada particular da Vale que liga duas minas em Itabirito. Apesar da tentativa de atribuir a responsabilidade à empresa terceirizada para executar o serviço, a Ouro Verde, no primeiro dia de inspeção os Auditores-Fiscais interditaram o local e a Vale foi responsabilizada pela terceirização ilícita e por submeter as 309 pessoas ao trabalho análogo ao de escravo. 
Os Auditores-Fiscais já haviam notificado a Ouro Verde em outra inspeção, quando foram definidas adequações necessárias relacionadas à legislação de saúde e segurança. Apesar disso, a empresa não providenciou as adequações. 
“A Vale sabia de tudo e deixou correr solto. Temos um relatório em que eles detectam e registram mais de 30 inconformidades nessa terceirizada”, diz o Auditor-Fiscal do Trabalho Marcelo Campos, coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo em Minas Gerais e responsável pela ação. 
O Ministério Público do Trabalho abriu inquérito para investigar a caracterização de trabalho escravo. Em 2013, uma sentença judicial já proibia a Vale de terceirizar os motoristas internos, por ser o transporte, nesta situação, uma atividade que não pode ser terceirizada. 
Mesmo assim, a Vale contesta essa sentença e se recusa a assumir a contratação dos trabalhadores. A multa acumulada pela “desobediência” está em R$ 7 milhões – equivalente a menos de 1% do lucro da empresa em 2014. 
Jornada exaustiva, sem água e sem banheiro
Devido ao estado de calamidade instalado no banheiro da Mina do Pico, os motoristas eram obrigados a fazer suas necessidades na estrada e não podiam tomar banho ou trocar de roupa ao fim do expediente. Voltavam para casa sujos. 
Tudo no ponto de parada estava tão sujo que ninguém tinha coragem de beber do bebedouro, que ficava logo ao lado do banheiro empesteado, lembra um motorista com mais de 30 anos de experiência, que falou à reportagem da ONG Repórter Brasil, na condição de anonimato. “Até água pra beber tinha que levar de casa. Fazia mais de 20 anos que não via serviço ruim assim. Foi o pior da minha vida.”
Ele lembra que era obrigado a fazer horas extras. “A gente fica com sono, é perigoso”. A jornada exaustiva, em que a pessoa trabalha tanto e de forma tão intensa, que coloca em risco sua saúde, segurança e vida, foi caracterizada depois que os Auditores-Fiscais contaram 2.777 turnos que excediam os limites permitidos. 
Em um caso, um motorista dirigiu por 23 horas com apenas um intervalo de 40 minutos. Outro trabalhou do dia 14 de dezembro a 11 de janeiro sem nenhum dia livre – nem mesmo o Natal ou o 1º de janeiro. A não concessão das horas de repouso entre os turnos é tipificada pelo artigo 149 do Código Penal como condição análoga à de escravo. 
Promessas enganosas e ameaças
A supressão do tempo de descanso era incentivada pela empresa por meio de campanhas que ofereciam prêmios pelo aumento da produtividade, o que é proibido em atividades que envolvem risco. Nos depoimentos aos Auditores-Fiscais, motoristas revelaram que substituíram o almoço por bolachas e que passaram a dirigir na velocidade máxima permitida. Eles citam acidentes que teriam acontecido depois que a campanha teve início. Tudo isso para receber um acréscimo de R$ 200 a 300 no vale refeição e para entrar no sorteio de uma moto e um aparelho de TV. Premiação que, aliás, nunca veio. Quando os motoristas começaram a reclamar e cobrar o pagamento do prêmio devido, passaram a sofrer ameaças. 
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Ouro Verde emitiu nota dizendo que as irregularidades constatadas na jornada dos trabalhadores seriam “decorrentes de problemas sistêmicos no relógio ponto”.  Sobre o programa de incentivos, a empresa “rechaça com veemência” os termos ‘promessa enganosa’ e ‘ameaça’, afirmando que “por conta dos problemas nos relógios pontos, não foi possível apurar os resultados obtidos pelos empregados e realizar o pagamento dentro do prazo prometido. A empresa, no entanto, por medida de justiça com o trabalhador, optou por pagar a premiação a todos eles. 
Medidas tomadas
A mina ficou interditada por três dias, o tempo necessário para que a empresa tomasse as medidas de correção: lavaram e pintaram o local de descanso, consertaram o banheiro, instalaram chuveiros e se comprometeram a respeitar a carga horária dos funcionários. “Isso demonstra que manter os trabalhadores em dignidade não era algo difícil para a empresa. Ao que parece, a Vale apenas não queria ter esse custo”, aponta Marcelo Campos. 
Apesar de uma extensa ficha de problemas trabalhistas e impactos socioambientais, essa é a primeira vez que a Vale é responsabilizada pela exploração de mão de obra análoga à de escravo. A empresa é signatária do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, afirma possuir uma política de monitoramento de seus negócios e ter excluído de sua cadeia de fornecedores usinas de ferro gusa que se utilizaram desse crime. 
A Vale é a maior produtora de minério de ferro do mundo, está presente em cinco continentes e é a maior exportadora do Brasil. 
Com informações da Repórter Brasil.

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